26 de outubro de 2010

O eu-lírico dela

Ulisses nunca havia desejado tanto Lóri como na noite anterior. Ocorreu-lhe um momento em que sentiu o desejo como que despertar. Mas a verdade é que já o tinham incitado, ele e Lóri, durante toda a noite, até chegarem àqueles atuais segundos nos quais o desejo de Ulisses pulsava. No ventre. Ou um pouco mais em baixo. E essa sensação fez Ulisses rememorar, no corpo e pelo corpo, o que era o desejo. Nesse exato momento Lóri falava sobre... Sobre... Caretas? Árvores? Falava que as coisas que Ulisses dizia faziam sentido pra ela? Ou será que interrogava Ulisses sobre qual era o metrô que ela poderia deixá-lo? Ulisses não lembrava. Lembrava-se apenas que se arrumou no banco do passageiro, encostando ligeiramente as pernas uma à outra na tentativa de aplacar o próprio desejo, ou de senti-lo mais. Ou os dois. Virou a cabeça para o lado oposto da Lóri e olhando o movimento da rua disse que precisava urgentemente descer daquele carro. Lori, que vagarosamente freava o automóvel devido ao faro vermelho, disse quase sedutoramente: “É. Precisa.” Ulisses pensou que talvez Lóri não entendesse o que se passava com ele. Havia urgência em Ulisses. Urgência pelo corpo de Lóri (?). Urgência pelo encontro dos desejos dos dois. Ulisses nunca estivera tão seguro do seu desejo sexual por Lóri. Será que ela compreende o que isso significa pra mim?, perguntou-se. Saber o que se deseja e continuar desejando o que se deseja no momento em que se deseja, e estar consciente e disponível para o próprio desejo, talvez seja uma das exatas medidas da conquista de si. Então Ulisses desnudou-se do que lhe sobrava de pudor na frente daquela mulher e repetiu três ou quatro vezes a frase “Lóri, quero transar com você”. Dizia a ela, mas também a si, pois apreciou de ter conquistado a segurança do desejo do sexo. Ulisses descobrira o modo como queria ter Lóri. Se a espera por ela, ocasionasse, no momento do entro, tais sensações, sentiu que conseguiria, e até desejaria, passar um mês sem trocar-lhe uma palavra sequer.
Ulisses
esperaria Lóri. Esperaria porque descobriu que queria entregar-se a ela desta, e apenas desta maneira: ardendo em desejo. E não com um médio desejo – ainda que real, mas ainda assim médio –, algo que vulgar e erroneamente se dizia que era o estado natural dos seres masculinos.
Ulisses sentiu vontade de dar-se.

Talvez
a grande aventura dessa estranha relação fosse a concretude de que para estarem juntos era imprescindível o trabalho individual sobre si. Era a aventura existencial de sempre manter em si o que se chama “vida”, viva. A aventura era a conquista diária da sensação e da consciência de que havia vida espantosa correndo em fluxo dentro de cada um. E também no entre dos dois. E isso fez com que ele se lembrasse do momento em que...
Chegamos,
disse Lóri, interrompendo-lhe o pensamento. E com um ar docemente irônico, daqueles que chegam a beirar a conquista de um entendimento não revelado, a motorista continuou:

Chegamos senhor.
Sua estação com nome de flor.


Ulisses olhou-a longamente e sentiu que na próxima vez que lhe ocorresse tamanho desejo, ele trajaria apenas um copo de uísque com duas pedras de gelo. Desceu do carro.


Em casa, abriu a porta do banheiro.
Ligou o chuveiro.


2 comentários:

Meggie disse...

=D
Eheheh...
Querida, realmente, é de levantar difunto de dentro do próprio corpo. Desloca a alma de tanta coerência né?! Obrigada!! Ma-ra-vi-lho-so...
=D

Thiago Schiefer disse...

Nossa... esse Ulisses não é um homem comum... curti o conto!