É certo que não conseguirei dizer
aqui o que conseguiria se tivesse a disciplina de escrever frequentemente. É certo
que já sei faz tempo que meu problema de vida é a disciplina. É certo que
limparei esse texto das impurezas tal como faz um garimpeiro com sua bateia,
separando as pequenas pedrinhas de ouro do barro. É certo que as primeiras três páginas desse
texto serão todas feitas de impurezas, para então, daí, vir a brilhar alguma
coisinha pequena e concreta no fundo. Quase invisível, quase indizível. É certo
que eu colocarei as lentas da Amy Winehouse pra me ajudar. É certo que logo
abandonarei esse recurso sujo e estúpido da repetição do início das frases. É que
ainda estou com barro nas mãos.
Eu gostaria que esse texto
tivesse um sabor doce-azedo com o mesmo aroma de canela que vem do strudel de
maçã que estou preparando. Saudade de caminhar de noite pela Avenida Paulista
respirando tudo aquilo que será. “Respirando aquela que virei a ser”, eu
costumava pesar. Talvez há algum tempo eu tenha deixado de acreditar no devir
das coisas de um jeito honesto. Pelo que foi que eu substituí o devir, eu não
sei. Minha salvação é que escrever é também retomar.
Estou quase encostando. Sei que estou quase encostando naquilo que
queria dizer com esse texto, muito embora eu sinta – e saiba – que não chegarei
com ele onde gostaria de chegar. Mas não reclamo. Faz tempo que não pratico.
Então muito provavelmente esse texto só exista no próximo. Já ficarei bem feliz
se ficar um aroma de canela exalando e ocupando espaços invisíveis, indizíveis
e tão reais. Não conseguimos ver, mas sabemos que há algo ali, vivendo dentro,
fazendo festa em territórios desconhecidos de nós. Encontrar é isso.
É essa tentativa incansável com
as palavras para que no final, fique alguma coisa, reste alguma coisa, sobre
alguma coisa. E quando dá certo, essa alguma coisa fica em nós por efeito do
que foi lido e não por conta daquele conjunto de palavras registradas ali. É o
efeito da combinação o que nos ocupa dentro. O substrato. Efeito é aroma. E porque
existe o aroma-substrato é que o leitor diz “Que texto!”, mas não tem nada a
ver com o texto. Palavras são inodoras. O indizível é que cheira. Escrever é
revelar o fundo invisível das coisas. É revelar, através da palavra, o que a
palavra não consegue dizer. Escreve-se pra fazer surgir o que não está escrito.
Escrever é produzir aroma.