21 de abril de 2014

Tristão

Tristão,

Andei tentando aplacar as chamas do meu coração todos estes dias.
Cansei de tentar fazer o impossível.
Eu sou Isolda. E meu coração estará sempre em chamas. Na harmonia e na confusão.
Eu sou Isolda e não negarei o meu nome por você.
Eu te liberto.
E caso você não regresse, meu Amigo...
Eu entenderei. Porque também já fui Medéia e aprendi que é raro um homem saber lidar com um coração-em-chamas-de-mulher-intensa.
É preciso muita coragem.
Você se fez de oráculo uma vez ao telefone e me disse que eu era intensa. Eu não entendia ou não percebia isso em mim.
Mas agora eu vejo. Eu sei. Eu era. Eu sou. Sempre serei.
Me chamo Isolda.
Não haverá entre nós o desconforto das relações contemporâneas pobres e medrosas de amor.
Eu estive lá a sua espera ontem. Fui até o cais para te ver. E fui nua. Com a nudez que me cabe vestir.
Eu sei ser inteira. Algo diferente disso é não ser. Mas isso é poesia e Ricardo Reis é infinitamente melhor que eu.
...
Não sei dizer se você veio. Ou se deixou apenas seu vulto vir. Ou ainda, se ficou em sua nau, dentro do mar calmo, seguro e negro, me observando acenar em sua direção.
...
Nunca me envergonharei da minha esplêndida capacidade de amar.

Com afeto,
Isolda

1 de abril de 2014

Isolda e o Oráculo .ou. Carta de amor

Escrevo porque ontem você me fez ser Isolda e eu te chamei de Amigo nos poemas medievais de amor que te escrevi.
Mas em breve, minha consciência reativa de mulher quase independente e contemporânea me forçará a conhecer outros homens como forma ilusória de fugir  e de preencher o tempo que fico esperando por você.

E o que eu menos gosto é de ter a minha vida nas mãos de outra pessoa. Mas, por agora, o que eu consigo fazer é torcer para você vir até mim. 

É escrever uma carta que você nunca lerá.

É o que eu, Isolda, consigo fazer. Olhar para o Céu com a quase certeza de se comunicar ao Incomunicável e... Esperar por você, meu Amigo, me lembrando das suas imagens específicas enquanto o meu coração pesa e aquece.

Eu torço.

Não levarei minhas mãos na tua direção. Ficarei quieta. É o que consigo fazer por hoje. Receio de ter se instaurado essa distância contemporânea entre nós. Este hiato absurdo de mais de 24 horas. 

Quero ficar em silêncio com você, à meia luz. E quero que você, de novo e repetidamente, afaste uma mecha dos meus cabelos e segure o meu rosto. E, por conseqüência involuntária, faça meu peito pesar e aquecer. 
Então eu ouvirei um som agudíssimo surgir dentro de mim. Como fazem aqueles bules antigos avisando que o café está pronto.

E se não for você o enviado que surgiu no meu Oráculo? E se não for eu a correspondente que surgiu na sua carta de Tarô? O que faremos nas derradeiras 21 horas, Amigo?
Se assim for, terei o ímpeto cada vez mais forte de embarcar numa nau e regressar aos meus no continente antiqüíssimo.

Mas por hora, eu fico aqui e finjo que consigo distrair minha ansiedade te escrevendo ou arrumando meu guarda-roupa. Mas enquanto que... Internamente... Eu só penso em Saturno, em Urano, em Netuno... E na sua voz... Amigo... E nas suas mãos. E nos seus pêlos...

Eu torço pela palavra Saudade pronunciada da tua boca.

Com afeto,
Isolda.